“O degrau da lágrima”, poema de Mia Couto

Nasci numa casa com escada.

Aquela escada,
dizem,
nasceu antes da casa.

O seu motivo
era o de todas as escadas:
medo de sermos terra,
temor de lavas e monstros.

Alteada sobre os céus
a casa era mais que um ventre.
Era um farol.

Nesse farol sem mar,
me lembro chorando
sobre o primeiro degrau.

Chorar é lá fora, advertia o pai.
Lágrimas
murcham aquém da porta:
esse era o mando.

A proibição da lágrima
se somava ao interdito do chão:
medo dos rios,
das indomáveis enchentes.

Ainda hoje
uma voz antiga,
dentro de mim, incita:
aprende do pranto
o parto das fontes.

Sempre que chorares,
nascerás uma outra vez.

Mia Couto, Tradutor de chuvas
Abaixo, ouça esta bela declamação deste poema.

Imagem de NickyPe por Pixabay






Uma revista a todos aqueles que acreditam que a verdadeira paz é plural. Àqueles que desejam Pazes!