O uso de metáforas em estórias infantis escritas por Rubem Alves

Trabalho acadêmico de Luzineide S. Novais

Um breve resumo da monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do curso de Especialização em Língua Portuguesa, da Universidade Veiga de Almeida, orientada pela professora Mestra Vanessa de Carvalho F. Menezes.

Foram utilizadas 03 (três) estórias do Rubem Alves: “A Menina e o Pássaro Encantado”, “Os morangos” e “A Pipa e a Flor”. A análise foi fundamentada na teoria da Linguística Cognitiva e também baseada no próprio autor das estorinhas.

A pesquisa é apenas para demonstrar como o uso de metáforas em estórias infantis escritas por Rubem Alves serve para projeções cognitivas do ser humano em qualquer fase de sua vida.

Silva (1997) diz que a Linguística Cognitiva “é uma abordagem da linguagem perspectivada como meio de conhecimento e em conexão com a experiência humana do mundo”.

O ser humano nasce desabitado de experiências, sensações e conhecimentos; E ao longo da vida vai registrando essas experiências, sensações e esses conhecimentos.

São diversas as imagens que se apresentam e levam a cognição humana a trabalhar fazendo projeções a tempos passados. Como escreveu Alves (1982):

Tenho, no meu jardim, um pé de rosmaninho. Ele é, em tudo, igual a todos os outros pés de rosmaninho que há por este mundo. […] igual a todos os demais exceto uma coisa. Foi meu pai que me deu a mudinha. […] O rosmaninho guardou seu gesto como se, do arbusto, saísse fios de memória que me ligam a alguém que já não está mais presente. […] A memória faz a imaginação voar. […]. (Alves, 1982, p.7).

Cognição é, no entanto, o ato de adquirir conhecimentos e experiências, buscando nestes conhecimentos e nestas experiências as lembranças, as sensações já vividas, fazendo associações para melhor compreender e sentir o momento presente.

O Alves (2013), na crônica “Memórias da Infância”, compara a memória com um computador:

Já falei em outros lugares sobre Ângelus Silesius, o místico que escrevia em forma poética. Um dos seus poemas diz assim: “Temos dois olhos. Com um nós vemos as coisas do tempo, efêmeras, que desaparecem. Com o outro nós vemos as coisas da alma, eternas, que permanecem”. Dois olhos, cada um deles tem uma memória diferente. Na memória do primeiro olho estão guardadas, numa infinidade de arquivos, as informações sobre o mundo de fora, coisas que realmente aconteceram. Basta que eu diga o nome da informação desejada para que o arquivo se abra e eu me lembre. É assim que funcionam os computadores. Nós, em muitos aspectos, nos parecemos com eles. Mas as memórias do segundo olho são diferentes. E isso porque elas moram na alma. […] Por oposição às memórias do primeiro olho, que são exteriores a nós, as memórias do segundo olho são partes de nós mesmos. Quando as recordamos, o corpo se altera: ele ri, chora, brinca, sente saudades, medo, quer voltar […]. (Alves, 2013, p.137-138).

Transformando em imagem os dados acima, pode-se exemplificar: mesmo que um casal ou um grupo de pessoas contemple um amanhecer de um dia de primavera, cada pessoa terá uma memória pessoal e única do momento compartilhado, porque as memórias pessoais são subjetivas.
O Alves (2008), de forma metafórica, explica Linguagem:

A linguagem tem a possibilidade de fazer curtos-circuitos em sistemas orgânicos intactos, produzindo úlceras, impotência ou frigidez. Porque são as palavras que carregam consigo as proibições, as exigências e expectativas. E é por isto que o homem não é um organismo, mas este complexo linguístico a que se dá o nome de personalidade. (2008, p. 76).

Ainda para Alves, a linguagem é uma ferramenta e um modelo que auxilia o ser humano na construção de seu mundo. (1999, p. 22-23).
Às vezes, metáforas são necessárias para expandir a alma e organizar o mundo. Como bem traduziu o poeta Stephane Mallarmé, metaforicamente: “Um poema é um mistério cuja chave deve ser procurada pelo leitor”.

Foi percebido que o gosto pela palavra e o prazer em criar mundos tanto pela escrita quanto pela fala que transformou o Rubem Alves em um hábil retratista de mundos através de metáforas.

Lendo Rubem, é possível que os olhos sejam educados a enxergar as ruínas e as belezas da vida através de suas metáforas e experienciar os benefícios extraídos de um autor que além de ter sido educador, marcou e pontuou a importância da Educação e que, poética e metaforicamente, ensina a sonhar um mundo belo com suas cores e crepúsculos.

Rubem, como filósofo, cientista social e acima de tudo, professor de espantos, busca, com suas estórias, passar conhecimento de mundo, fazer cócegas no pensamento de quem o lê. Logo, não é de se espantar que usasse fatos vividos por ele para criar suas estórias, facilitando assim, que se direcionasse ao leitor e lhe desse conselho, abrindo um estreito e confiável laço.

Analisando a estorinha “A menina e o pássaro encantado”

Levando em consideração o que Alves (Alves, 1993, p.68), na pessoa do educador, ensina: “O objetivo da interpretação é trazer a luz onde se encontra a escuridão, trocar sentidos equívocos por sentidos unívocos […]”. Aqui cabe dizer que seus textos não se encontram em nenhuma escuridão, ao contrário, eles são luz para melhor compreensão do mundo.

Foi possível observarmos que o autor faz uso de metáforas para incentivar que o leitor busque experiências, sensações e/ou conhecimentos vividos ao longo de sua vida. Observa-se no trecho abaixo, que se utilizando de metáforas, leva o leitor acreditar que “pássaro encantado” é para ele “uma pessoa amada e especial”, que “penas diferentes, pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos” é o mesmo que “os diversos momentos vividos pelo leitor”.

Alves (1993, p.53) consegue nos ajudar a entender o porquê das estórias quase sempre começarem com “Era uma vez” ou “Era uma vez em um lugar muito distante…”, quando o mesmo disse: “Tempo místico… Como acontece com as histórias de fadas, ele não pode ser entendido literalmente. O “era uma vez numa terra distante” é uma forma metafórica de se falar sobre aquilo que está sendo dito no meu corpo, agora”.

Os poetas são hábeis em criar metáforas, e Rubem não era só hábil, ele era extraordinário na criação desta arte. Em toda a estória, sempre projetando o leitor para sua própria vida, levando-o a refazer suas estórias e até mesmo, curar dores e ausências.
Sabe-se que esta estória o autor escreveu para a filha dele, pois ele viajava muito e ela ficava triste com a ausência. Observa-se então que ele falou da ausência, da separação, da saudade e de como lidar com as despedidas.

De forma metafórica o autor mostrou como a saudade, quando bem vivida, prepara o abraço na volta daquele que se ama.

Analisando a estorinha “Os morangos”

Este livro faz parte da Coleção Estórias para pequenos e grandes que Rubem escreveu em torno de temas dolorosos. O autor explicou o porquê de trazer a tona temas deste tipo:

O mundo das crianças não é tão risonho quanto se parece. Há medos confusos e difusos, as experiências das perdas, bichos, coisas, pessoas que vão e não voltam… O escuro da noite… […] Escrevi as estórias da Coleção ESTÓRIAS PARA PEQUENOS E GRANDES em torno de temas dolorosos, que foram dados por crianças. Não é possível fazer de conta que eles não existem. Os maus espíritos, a gente os espanta chamando-o pelo seu nome real… O objetivo da estória é dizer o nome, dar às crianças símbolos que lhes permitam falar sobre seus medos. […].

Na narrativa, é possível observar como o autor fala de sentimentos obscuros, como por exemplo, o medo. E que, a despeito do medo, as pessoas precisam aproveitar e vida.

Neste livro, é narrada a estória de um personagem que, mesmo correndo perigo, consegue enxergar um pé de morangos e, esquecendo-se por algum momento do perigo em que se encontrava conseguiu saborear o morango, sorrir e aproveitar a alegria daquele ínfimo momento.
Rubem escolheu não escrever um final, deixando que o leitor o “escreva” de acordo à sua vontade ou mesmo de acordo ao seu estado de espírito. Em uma entrevista dada ao Jornal Valor (2012), quando perguntado se a estória não tem final, ele respondeu: “[…], não tem final, é só isso mesmo. […]. Quem está pendurado sobre o abismo sou eu, é você, todos estamos sobre o abismo, portanto, o que nos resta a fazer é comer os morangos”.

Levando em conta o que foi apresentado no capítulo de Cognição e sabendo que esta é a capacidade de acessar experiências guardadas ao longo da vida, quando um leitor interpreta a estória percebe-se que entendimento é fruto da inteligência.

Analisando a estorinha “A Pipa e a Flor”

Nota-se nesta estória que Rubem define muito bem o caminho do amor, e faz uso metáforas para mostrar que não se deve deixar que a inveja e ciúmes estraguem as relações.

Foi possível observar nesta estórias do Rubem que ele, através de suas metáforas, ensinou o amor, a coragem, a igualdade, a liberdade, gratidão… Tudo de forma poética e metaforicamente. Tem razão, assim, o já citado autor, Moura, quando escreveu que metáfora “é uma figura de linguagem que se assemelha à arte”.

O Rubem em agradecimento e indicando o grupo de teatro que adaptou a estória acima mencionada, ensinou o que é gratidão, quando escreveu:

[…] há um tipo de interpretação que eu amo. É aquela que se inspira na interpretação musical. O pianista interpreta uma peça. Isso não quer dizer que ele esteja tentando dizer o que o compositor queria dizer. Ao contrário. Possuído pela partitura, ele a torna viva, transforma-a em objeto musical, tal como ele a vive na sua possessão. Os poemas assim podem ser interpretados, transformados em gestos, em dança, em teatro, em pintura. O meu amigo Laerte Asnis transformou a minha estória “A Pipa e a Flor” num maravilhoso espetáculo teatral. Pela arte do intérprete – o Laerte, palhaço -, o texto que estava preso ao livro fica livre, ganha vida, movimento, música, humor. Com isso, a estória se apossa daqueles que assistem ao espetáculo. E o extraordinário é que todos entendem, crianças e adultos. Eu chorei na primeira vez que o vi.

Assim, pode-se concluir que “a metáfora institui um mundo imaginário, em que as palavras funcionam na base do faz de conta. Como se a metáfora fosse um passaporte para uma longa viagem”, (Moura, 2012), pois, com suas metáforas, Rubem ajuda o leitor e/ou ouvinte de suas estórias a interpretar o mundo, modo de viver, de compreender a vida e encontrar meios para melhorar o meio em que vive. Ele foi um gênio e artista na arte de fazer-se entender através de metáforas.

Foi possível observar também que as metáforas do Rubem dão inspiração aos seus leitores, fazendo-os estudiosos e buscadores de dias melhores, aumentando o intelecto, saindo assim do mundo do entretenimento. Esse gesto de transformar as estórias escritas pelo Rubem Alves em trabalhos monográficos e espetáculos só vem corroborar com que Moura (2012, p. 116) disse sobre Metáfora: “A metáfora é uma figura de linguagem que se assemelha à arte, na medida em que impõe um grau de libertação do real e do verdadeiro. Mas a metáfora não abandona totalmente o desejo de informar algo que possa ser considerado verdadeiro”. E o extraordinário é que todos, crianças e adultos entendem as estórias e as metáforas do Rubem.

Lendo as estórias de Rubem Alves, o leitor tem a possibilidade de experienciar outra visão de mundo sem abrir mão da já adquirida, perfazendo, assim, uma soma de aprendizagem e senso comum.

Como o próprio Rubem disse na crônica “Crepúsculo”: “Metáfora é quando se desenha o próprio rosto com imagens pescadas do mundo”.
Assim, conclui-se que a metáfora institui um mundo imaginado, onde as palavras funcionam como um faz de conta, servindo de passaporte para uma longa viagem, dando a entender que a vida é um enigma, e através das metáforas é possível desvendá-la.

DEDICATÓRIA
Ao Rubem Alves por me resgatar para a vida através de seus livros;
À Natureza por embelezar meus dias com suas cores e me dar o fio da vida através do ar que respiro.
Autora: Luzineide S. Novais






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