Prefiro as distâncias sinceras às proximidades hipócritas

De A Mente é Maravilhosa
Capa: Rido via Shuttertock
Nos contextos onde abundam os hipócritas, os sinceros são os maus e a verdade é a grande inimiga. Por isso, sempre serão preferíveis as distâncias honestas quando nossos valores se chocarem com a proximidade obscura que traz máscaras de amabilidade e armaduras douradas por trás das quais se escondem as pessoas falsas.

É muito possível que algumas pessoas não saibam que os cientistas, sociólogos e os biólogos querem chamar o atual período terrestre de “Antropoceno” (novo homem), em vez de Holoceno. A intenção é simples e até inspiradora: enfatizar um período onde a humanidade tem como objetivo alcançar um “nível” mais alto de inteligência, coesão social, harmonia, respeito e consciência.

“A superstição e a hipocrisia trazem muito lucro, mas a verdade sempre precisa mendigar.”
-Martinho Lutero-

Contudo, livros tão interessantes quanto “Antropozoologia, abraçando a coexistência no Antropoceno”, dos cientistas Michael Tobias Charles e Jane Gray Morrison, nos falam justamente de uma dimensão muito real: a hipocrisia do ser humano. Continuamos sendo uma espécie de vertebrados acostumada a pregar uma coisa e fazer outra. Padecemos de um transtorno por déficit de natureza e, além disso, ainda nos custa muito favorecer a coexistência de uns com outros deixando de lado diferenças culturais, sociais ou de gênero.

Todos sabemos que não é nada fácil estabelecer uma distância com quem não nos agrada ou nos incomoda. Às vezes somos obrigados a compartilhar o espaço com um familiar de ideias extremistas, ou mesmo com um chefe que não tem nossos mesmos princípios morais. Contudo, o que podemos fazer é criar espaços adequados de proteção para não cair nunca no exercício pouco saudável da hipocrisia.

No reino da hipocrisia, somente os mais fortes sobrevivem

Aquiles dizia na Ilíada que se havia alguma coisa que o incomodava muito mais que as portas do Hades eram as pessoas que dizem uma coisa e fazem outra. Bom, é muito provável que todos nós tenhamos perto uma pessoa marcada com esse tipo de perfil que tanto predomina na era do Antropoceno. O que talvez não saibamos é que não devemos responsabilizar única e exclusivamente o próprio hipócrita pelo seu comportamento.

A hipocrisia é muito mais do que a clássica dissonância entre nossas ideias guias e nossos comportamentos. Às vezes o próprio entorno que nos rodeia nos obriga a isso. Cada dia enfrentamos um enorme quebra-cabeças existencial, as peças estão dispersas e somos obrigados a sobreviver nestas “superfícies sociais” tão complexas. Quase sem perceber, às vezes acabamos fazendo coisas que não se encaixam com nossos próprios princípios, com nossas ideias ou convicções.

Entre o que se pensa, se diz e se faz, pode existir um abismo, e apesar de não querer faltar com a nossa própria verdade interior, acabamos fazendo-o pelas pressões do ambiente. Isto é o que Leo Festinger definiu como dissonância cognitiva, isto é, vivenciar uma desarmonia ou um conflito entre o nosso sistema de ideias, crenças e emoções (cognições) com as próprias condutas.

Mas, apesar de boa parte da nossa sociedade ser terreno adubado para nos comportarmos como hipócritas criados sob medida, na verdade podemos diferenciar claramente duas tipologias. Por um lado, estão os que sofrem essa dissonância cognitiva e decidem colocar limites para encontrar uma adequada harmonia entre o que pensam e o que fazem. Por outro lado, abundam os que simplesmente entendem a vida desta forma. A dissonância deixa de existir para dar passo a uma cognição firme e clara do que a pessoa faz, e passa a ter total sentido e, acima de tudo, um propósito.

Como se proteger dos comportamentos hipócritas

Praticar o que se prega não é apenas um gesto de respeito, mas também de “autorrespeito” e de bem-estar pessoal. Já sabemos que todos, de alguma forma, já praticamos essa arte em alguma ocasião para poder nos incorporar a um determinado contexto: um trabalho, uma festa, uma reunião familiar…

No entanto, se existe uma finalidade clara e objetiva que as dissonâncias cognitivas têm, é ligar um alerta psicológico para nos informar de que o fio que sustenta a conduta com os valores está a ponto de se rasgar. Iniciar um processo de reflexão nos salva, sem dúvida, de cristalizar a hipocrisia.

“O homem é menos homem quando fala em seu nome. Deem-lhe uma máscara e ele dirá a verdade.”
-Oscar Wilde-

Contudo… o que podemos fazer se muito perto de nós habita um hipócrita inveterado e corrosivo? Existem pessoas honestas, que quando pressentem algo tão simples como a incompatibilidade de caráter ou de valores escolhem colocar distância com adequada elegância e respeito. Isso é uma coisa que sem dúvida agradecemos, mas infelizmente, nem todo mundo inicia esse tipo de política dos bons princípios.

O mais correto, sem dúvida, seria que nós mesmos estabelecêssemos um cordão de segurança e nos afastássemos o suficiente para não concordar novamente, contudo, se essa pessoa é um familiar, um colega de trabalho ou um chefe, talvez não seja assim tão simples.

Nesses casos, será muito útil a regra dos três “R”:

Não “reforce”: o hipócrita pode e tem todo o direito de estar ao seu redor, mas nunca estimularemos os seus comportamentos. Isto é, o ideal é ser o mais asséptico possível com eles, não travar conversas profundas onde a intimidade se revela e não dar muita importância ao que possam dizer.

“Respeite-o e respeite-se”. Deixe que o hipócrita seja como bem quiser, que faça o que desejar, mas sempre na sua própria esfera, não permita nunca que entre na sua. Respeite-se e dê-lhe a devida importância justa, sem deixar que afete a sua atitude.

Não “renuncie” a seus valores. Às vezes, quando passamos muito tempo em um cenário adubado pela hipocrisia, é comum cair em algum momento nestes mesmos comportamentos. Lembre-se dos seus valores e princípios e defenda-os mesmo que o resto das pessoas não os entenda ou não os aprove.

Por fim, e não menos importante, sempre se lembre de que a hipocrisia se camufla de amabilidade quando alguma coisa lhe convém. Aprenda a ser intuitivo e cauteloso, e se a oportunidade finalmente acontecer, não hesite em colocar a distância adequada onde você possa recuperar a sua plenitude emocional e psicológica.






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