Bipolar: duas almas habitando o mesmo corpo

Por Ana Macarini
Tropeçar faz parte do processo de avançar nas etapas da vida. Desde os primeiros ensaios para caminhar sobre as duas pernas, aprendemos que, sem coragem para encarar a dureza do chão, não iremos muito longe. Tropeçamos, caímos, choramos e voltamos a tentar. No momento em que decidimos dar o próximo passo, o medo da queda já foi esquecido. A dor é tempero do crescimento. O entusiasmo também. O excesso dos dois é o caos, o sofrimento e a solidão. Os destemperados aprenderão, cedo ou tarde, que seu transtorno invisível é seu inferno particular e de mais ninguém.

O humor é como uma paleta de cores a transformar o pano de fundo de nossa vida. Acontecimentos felizes produzem sensações agradáveis: vontade de compartilhar a vida, leveza, presença de pensamentos positivos e pró-ativos; é como se o mundo ganhasse novas cores, mais vivas e vibrantes. Episódios tristes nos remetem ao oposto disso tudo: queremos nos encolher, buscamos apenas a companhia daqueles que nos são muito próximos, o coração fica pesado, os pensamentos evoluem em câmera lenta, perdemos a fé; é como se todas as cores perdessem o viço e a vivacidade. Existe uma lógica em tudo isso. Todos nós estamos sujeitos às oscilações da vida; e reagiremos melhor ou pior a depender de fatores internos e externos, que utilizaremos como recursos para nos reequilibrar.

Para quem sofre de Transtorno Bipolar, entretanto, essa lógica não passa de ficção. Esse Transtorno Afetivo é uma doença mental e está entre as dez que mais afastam os brasileiros do trabalho e do convívio social, tamanho impacto que causam em suas rotinas. Até que seja diagnosticado corretamente o paciente, em geral, já terá passado por inúmeros profissionais de saúde; já sentiu dores por todo o corpo; já sofreu com intermináveis noites insones; perdeu empregos, amizades e arruinou relacionamentos amorosos; pensou em morrer; tentou morrer. O Transtorno Bipolar ocupa o terceiro lugar na lista dos transtornos psiquiátricos, depois da depressão e da esquizofrenia, conforme levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS). E, mesmo sendo tão frequente, é extremamente desconhecido e difícil de detectar.

A Bipolaridade pode apresentar-se na forma mais clássica, na qual as oscilações de humor ocorrem em momentos alternados. A pessoa passa por períodos de depressão, durante os quais têm pouca ou nenhuma disposição para atender aos compromissos; tudo fica excessivamente cansativo e custoso; a concentração é prejudicada; a memória falha; o desejo de viver fica perdido em algum lugar. Aos poucos, a fase depressiva vai esmaecendo, perdendo a força e deixando como resultado uma pessoa extremamente frágil do ponto de vista emocional e vulnerável às situações externas. Pode haver, nesse caso, um período mais estável, ou não. Na sequência, o Bipolar é atingido por uma onda de euforia; o pensamento fica acelerado; a pessoa é tomada por um sentimento de poder e pela necessidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo; diminuição da necessidade de sono, ideias de grandiosidade e comportamentos desinibidos e pouco críticos, que podem resultar em gastos excessivos, por exemplo. Soma-se a essa confusão estabelecida, o possível surgimento de agressividade, que tanto pode ser consigo mesmo, quanto com as pessoas mais próximas. Muito do que se faz nessa fase, o Bipolar nem sequer sonharia em fazer no estado normal de humor.

Além da forma clássica, a Bipolaridade também pode apresentar-se na forma de episódios mistos de depressão e euforia. O bipolar, neste caso, pode apresentar a agitação motora e mental de uma fase de humor elevado e, ao mesmo, tempo expressar sentimentos de falta de esperança, de culpa ou de baixa auto-estima, como numa fase de humor deprimido. Ele também pode estar eufórico agora e, literalmente cinco minutos depois, estar deprimido e chorando.

O desencadeamento de uma crise não tem relação com motivações ou situações específicas. O detonador pode estar atrelado ao stress, tanto positivo quanto negativo: ser promovido ou demitido; apaixonar-se ou romper um relacionamento, podem provocar o mesmo impacto devastador. Essa imprevisibilidade vai desestruturando de tal forma a vida, que muitas vezes a pessoa vê-se em situações de perda terríveis; precisando recomeçar do zero, muitas e muitas vezes.

Uma das principais evidências de que a doença está relacionada às reações químicas do cérebro é que os remédios, quando acertadas a droga e a dosagem, dão resultado. Entretanto, o mecanismo de funcionamento da doença é um processo extremamente complexo. Ainda não há certezas sobre neurotransmissores ou reações químicas que estejam envolvidas no desencadeamento da doença. O que se sabe é que alterações da serotonina e da noradrenalina cerebrais estão relacionadas à depressão e a dopamina é o neurotransmissor mais relacionado aos episódios de mania. E que, além do tratamento medicamentoso, o Bipolar precisa de acompanhamento Psicológico e apoio da família.

O diagnóstico correto é a única “luz no fim do túnel” para quem sofre de Transtorno Bipolar. É preciso que haja o envolvimento comprometido dos familiares e amigos mais próximos para que o paciente encontre maneiras de administrar a doença. Uma vez diagnosticado e tratado, ele terá de volta a capacidade de viver uma vida equilibrada em todos os aspectos. Em geral, a procura por ajuda ocorre nos períodos de depressão, nos quais o sofrimento é mais evidente. Nas fases de euforia, raramente alguém procura por socorro, já que aquele estado de energia intensa traz uma felicidade ilusória. No entanto, por mais agradável que pareça, é uma doença grave, por conta dos riscos a que a pessoa se expõe, como a impulsividade que leva a comportamento sexual desinibido; envolvimento com drogas; comportamentos compulsivos, entre outros atos impensados.

Embora a doença apareça mais frequentemente no fim da adolescência ou início da vida adulta, crianças e pré-adolescentes também podem sofrer com esse transtorno. Nos EUA, o número de diagnósticos de bipolaridade entre crianças e adolescentes cresceu 40 vezes na última década. A hipótese para esse aumento é a maior conscientização de médicos sobre o transtorno ou ainda um possível excesso de diagnóstico, em que uma criança mal-humorada pode ser tratada como doente.

Além de ser “invisível”, a Bipolaridade é uma doença incurável, assim como o Diabetes ou a Hipertensão; só que ao contrário dessas enfermidades físicas, a Bipolaridade vem carregada de preconceito, acarretando ao portador dessa síndrome uma situação de grave solidão. Ser Bipolar é um desafio diário, tanto para a compreensão pessoal da doença, quanto para a dificuldade de compartilhar o que sente. A grande maioria guarda para si o “segredo de ser diferente”. A grande maioria tropeça, cai e levanta sozinho. A grande maioria precisa apenas do que todos nós precisamos: sermos aceitos com nossas belezas e horrores; termos o direito à tentativa de fazer melhor no próximo dia; termos acolhidas as nossas dores e compartilhadas nossas alegrias. É muito? É pouco? Não sei… Apenas diria que é justo, direito e necessário.






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