
Steven Soderbergh sempre gostou de testar limites com ferramentas simples. Começou rascunhando ideias em Baton Rouge, ainda adolescente, e levou esse hábito para os sets: desenho de plano, luz calculada, montagem que respira.
Depois do impacto de “Sexo, Mentiras e Videotape” (Palma de Ouro, 1989), ele passou a alternar projetos enxutos e títulos de estúdio, sem perder o controle de temperatura que marca sua assinatura.
Nos anos seguintes, o diretor afia diferentes registros. “Schizopolis” brinca com o absurdo e desmonta regras; “Irresistível Paixão” dá nova elegância ao romance policial; “Erin Brockovich” fixa em Julia Roberts uma teimosia doce e vencedora; “Traffic” mapeia linhas de ação com filtros que orientam o olhar.

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Em 2001, “Onze Homens e um Segredo” moderniza o filme de assalto com corte afiado. Pouco depois, vem o encontro que interessa aqui: “Doze Homens e Outro Segredo” (2004), agora de volta ao catálogo da Netflix.
Em “Doze Homens e Outro Segredo”, Soderbergh troca o brilho de Las Vegas por um tour europeu. Roma, Amsterdã e Paris viram tabuleiro para a gangue de Danny Ocean (George Clooney) e Rusty Ryan (Brad Pitt).
O foco desloca do “como abrir o cofre” para como conviver e trapacear sem desmontar a química do grupo. É um heist que se alimenta de encontros, não de gadgets mirabolantes.
A tal química vem do elenco que o público queria rever: Clooney, Pitt, Julia Roberts, Matt Damon, Catherine Zeta-Jones, além de Don Cheadle, Bernie Mac, Casey Affleck, Scott Caan e companhia.

O texto oferece falas curtas, olhares que resolvem conflitos e piadas que não pedem sinalizador. Em um acerto saboroso, o filme brinca com metacinema — há momentos em que a ficção cutuca as biografias dos próprios astros, sem virar esquetes.
Visualmente, Soderbergh (creditado como Peter Andrews na fotografia) escolhe paleta ligeiramente lavada, travellings que morrem no ponto e primeiríssimos planos quando a necessidade é ler intenção. Corredores de hotéis, saguões, estações de trem e salas de museu funcionam como zonas de espionagem casual. A sensação é de que a câmera escuta portas e encontra conversas pelos cantos.
A edição, comedida, dá ao espectador elipses que convidam à participação. Nada mastigado: a graça está em ligar pistas, aceitar que parte do plano será revelada um passo adiante e que o erro faz parte do jogo. Quando a ação acelera, cortes secos encurtam distâncias; quando o humor pede espaço, o ritmo baixa e deixa a piada pousar sem holofote.
A ampliação do time com Isabel Lahiri (Zeta-Jones) reintroduz passado mal resolvido e assuntos de fronteira entre ética e afeto. Linus Caldwell (Damon) ganha mais tela e inseguranças divertidas, úteis para criar ruído dentro da operação. A gangue continua afiada, mas mais gente na sala significa mais agendas, egos e pontos de falha — e é daí que o filme tira sua graça.

Em 2004, a recepção se dividiu. Parte do público esperava uma repetição vitaminada do primeiro; Soderbergh entrega passo lateral, menos tutorial de golpe e mais estudo de convivência. Vista hoje, essa escolha envelheceu bem: a narrativa não corre atrás de espetáculo engessado e encontra prazer no desvio, no vermelho discreto do erro que vira solução.
No panorama da carreira, o filme confirma o método do diretor: acumular funções (direção, foto, às vezes montagem, como Mary Ann Bernard), aproximando captação e finalização. Essa proximidade produz unidade: a luz conversa com o movimento; a montagem respeita o que o plano já resolve. Não há gritaria visual; há coerência.
Também ajuda situar o contexto. O cinema americano dos 1990/2000 alternou a reenergização de autores com a escalada de franquias gigantes. Soderbergh navegou nas duas águas: “Traffic” mostrou que escala e rigor convivem; “Onze Homens…” provou que luxo pode vir sem anestesia; “Doze Homens…” brinca com o contrato de entretenimento, troca ferramentas, muda cidades e ainda assim mantém a turma falando a mesma língua.

O humor surge sem marca-texto. Catherine Zeta-Jones atravessa aeroportos com precisão de bússola; Matt Damon acerta na hesitação coreografada; Clooney e Pitt ocupam quadro com uma preguiça elegante que depende de disciplina. Parece casual, mas cada gesto é milimetrado, do figurino aos relógios que aparecem numa virada de cena.
Rever hoje também tem gosto de cápsula do tempo pré-smartphone onipresente. A Europa filmada aqui evita cartão-postal e abraça texturas de cotidiano: cafés, ruas estreitas, quartos de hotel onde a logística do crime divide espaço com piadas internas. O passeio é um personagem silencioso.
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