
Às vezes, um filme “quieto” volta a pipocar no catálogo e lembra por que ficou na cabeça de quem viu. Jogo Perigoso (2017), adaptação de Stephen King dirigida por Mike Flanagan, reapareceu no radar justamente por ser essa espécie de armadilha psicológica que começa simples e termina com um soco no estômago.
O que parece um thriller de confinamento vira estudo de trauma — e de como a mente fabrica saídas quando o corpo não tem para onde ir.
A premissa é direta: Jessie (Carla Gugino) e Gerald (Bruce Greenwood) tentam reacender a relação numa casa à beira do lago. Algemas, um “acordo” mal conversado e um mal súbito depois: Gerald cai morto, Jessie fica presa à cama.

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A partir daí, o filme troca a geografia do cenário pela geografia da cabeça dela. Sede, dor, fragmentos do passado e vozes internas invadem o quarto enquanto a noite se aproxima.
Flanagan entende que um longa quase inteiro num único cômodo precisa de ideias visuais e sonoras para respirar.
Ele resolve monólogos como diálogos — versões de Jessie contracenando entre si —, sustenta closes longos que deixam o desconforto ferver e usa o silêncio como lâmina. A montagem alterna delírios e lembranças com precisão, sem perder o fio de onde o corpo está: algemado, vulnerável, contando segundos.
O filme se apoia na atuação de Carla Gugino. Ela muda de registro com pequenas variações de respiração, olhar e tensão muscular, e segura o plano como quem segura a própria sobrevivência.

Bruce Greenwood, por sua vez, funciona como presença constante — mesmo ausente —, encarnando memórias e projeções que empurram Jessie para frente ou a puxam de volta.
Há camadas que explicam por que Jogo Perigoso incomoda mais do que muitos slashers barulhentos. O casamento como palco de controle, a infância como ferida mal suturada, o corpo como prisão e como ferramenta de fuga: tudo se costura sem didatismo.
Quando o roteiro abre a porta para um visitante noturno — metade pesadelo, metade figura de verdade —, a ambiguidade faz o terror crescer sem truques baratos.
(Spoiler leve) O final assusta porque tira a história do “foi tudo coisa da sua cabeça” e encara a materialidade do medo.
O tal “homem da lua” ganha nome e rosto, e o epílogo desloca a catarse para o mundo real, onde monstros não vêm só debaixo da cama. O acerto aqui é não transformar a revelação em pirotecnia: o choque vem da constatação.
Para quem quer saber se vale a sessão: vale por ser um thriller de 1h40 que usa a inventividade de direção para manter a tensão sem gritaria. Vale pela protagonista em estado de graça. E vale, principalmente, pela conversa incômoda sobre limites, consentimento e o peso de segredos de infância.
Fica o aviso de gatilhos (abuso, violência sexual, automutilação) — e a dica de ver de fones, luz baixa, de preferência sem pausas. É assim que Jogo Perigoso mostra o que tem de melhor: a mente que corre, o corpo que reage e um desfecho que gruda.
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