Por Francine Ramos
Mia Couto escreve sobre o seu país, Moçambique (África), mas também escreve sobre você! As suas palavras, tão repletas de novas possibilidades, por sua capacidade de juntar sentimentos, verbos e ações como algo único, faz do livro Estórias Abensonhadas muito bonito, apesar de ter como tema a guerra, que sempre destrói a beleza das coisas, dos lugares e das pessoas.
Abensonhadas. Sonhadas, Bem Sonhadas, Benção de Sonhos. Tanta coisa mora dentro das palavras que Mia Couto inventa. O seu “faliventar” já é uma característica de sua obra, assim como a crítica social atrelada a exaltação constante da cultura do seu povo e também a incrível capacidade de contar histórias como se elas pertencessem ao mundo todo, uma vez que leva o leitor a pensar sobre a sua própria condição em estar vivo.
O pós-guerra é o principal tema do livro, porém, há outros temas, dentro deste único universo: amor, traição, casamento, raiva, nascimento, saudade, educação, violência. E dentro disso tudo, o estilo tão peculiar de Mia Couto, que brinca constantemente com o real e o imaginário:
“Estas estórias foram escritas depois da guerra. Por incontáveis anos as armas tinham vertido luto no chão de Moçambique. Estes textos me surgiram entre as margens da mágoca e da esperança.” (p. 5)
O primeiro conto chamado “Nas águas do tempo” é sobre esperança e mostra a bela relação entre avô e neto, enfatiza a importância de ouvir, respeitar e acreditar nas pessoas mais experientes.
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“A água e o tempo são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo ventre.” (p. 10)
Mas não são todos os contos que enfatizam a esperança no final da guerra. Há alguns que mostram a vida das pessoas durante a guerra, mas Mia Couto utiliza outros temas para desenvolver essas histórias. É o caso, por exemplo, do conto “As flores de novidade” que narra a triste trajetória de uma criança não desejada, que, por isso, ganhou o nome de Novidade Castigo.
Conto após conto, as estórias abensonhadas, formam um conjunto único de sentimentos, porém, opostos. Como um espaço do tempo em que o ser humano se vê em situações tão perigosas e sensíveis para a alma, o pensamento que fica é sobre o momento em que perdemos a capacidade de amar e como é possível resgatar isso. Nos sonhos, talvez.
Mia Couto, com suas histórias reais e mágicas, mostra a crueza da guerra, os seus estragos, as suas feridas e do quanto é importante resgatar o sentido da vida cotidiana, mesmo nas situações mais atípicas, mesmo quando não há desejo e percepção sobre as próprias mudanças da alma.
“Sentado na velha cadeira de balanço, pesa-lhe a imensidão dos dias. Trabalhar para quê? O trabalho é como um rio: está-se acabando e o que vem atrás é ainda um rio. Esticando as pernas com lassidão me pergunta: – Quem está balançar: sou eu, é a cadeira ou é o mundo?” (p. 48)
Texto reproduzido pela Revista Pazes com a autorização da
Você pode encontrar este livro na Editorial Caminho ou ainda na Companhia das Letras.
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