Por Erick Morais

Em um dos seus versos, Pablo Neruda disse que “Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida”. Talvez seja ridículo dizer o quanto isso é óbvio, mas andamos tão esquecidos, tão sobressaltados, tão desmemoriados, que é preciso dizer o óbvio, a fim de que os nossos olhos consigam sair de nós e enxergar além das grandiosidades vazias que nos cercam.

Nos outros, em nós, nos lugares mais próximos, nos lugares mais distantes, não importa aonde se vá, estão todos perdidos. Todos perambulando, andando por aqui, acolá. Cortando as multidões, em que muitos se veem, mas poucos se enxergam. As pessoas não parecem satisfeitas, os seus olhares procuram algo perdido. Será a humanidade cada vez mais distante?

Mas, ninguém para, ninguém questiona, ninguém ousa andar em sentido contrário, afinal, ninguém quer ser visto como fugitivo. Os fugitivos são perigosos, eles incitam as pessoas a pensarem. E quem pensa, desorganiza, perturba a ordem, quebra a normalidade de uma vida cheia de banalizações. Sabemos bem que o sistema não costuma gostar de sujeitos subversivos.

E como somos bastante obedientes, ficamos quietinhos. Podemos até chorar, mostrar a nossa insatisfação com a vida, a nossa desesperança, a nossa fragilidade. Mas é preciso que seja em silêncio, claro. O sistema não gosta de alardes e as lágrimas costumam sempre mostrar os esconderijos da alma, algo que – convenhamos – não deve ser mostrado, já que vivemos como máquinas.

Vivemos como máquinas e tudo que nos faça pensar ou recuperar o humano deve ser esquecido, apagado da vida e da memória. Além disso, o que há para fazer? Somos ensinados desde logo que boi sozinho se lambe melhor, a não despregar os olhos de nós mesmos, ainda que para que possamos nos enxergar seja necessário ir além do nosso próprio reflexo.

Assim, o sistema de desvínculos que nos circunda torna-se perfeito, porque não enxergamos o humano no outro, o outro não enxerga o humano em nós, de modo a ficar todos perdidos e todos famintos. Com fome de gente. Com fome de toque. Com fome de abraços.

E não adianta tentar preencher o vazio com outras coisas, por mais que diga que se pode, porque afeto não é mercantilizável, embora os mercadores do amor tentem sempre arrumar uma nova forma de vendê-lo e nós obedientemente novas formas de comprá-lo.

No entanto, sempre chega o momento em que o algo que fala em nós grita que não há como viver de forma tão banal, desinteressante, solitária, egoísta. Não dá para viver apenas enganando o estômago. Uma hora, ele quer pão, assim como a alma quer abraços. É o instante em que se ainda não conseguimos enxergar a humanidade nas pessoas, ao menos enxergamos a fome que domina os seus olhos, repletos de secura.

Nesse instante, em que a alma cansada de chorar em silêncio se coloca para fora; percebemos que ser fugitivo é a única possibilidade de liberdade e que o toque é o que humaniza a nossa existência, pois se o amor é capaz de criar um escudo contra a morte, é preciso que o utilizemos para que – como falou Neruda – salvemo-nos da vida.

Créditos da capa: Becca Tapert
@beccatapert

Erick Morais Morais

http://genialmentelouco.blogspot.com.br/ "Poderia dizer o que faço, onde moro; mas, sinceramente, acho clichê. Meus textos falam muito mais sobre mim. O que posso dizer é que sou um cara simples. Talvez até demais. Um sonhador? Com certeza. Mais que isso. Um caso perdido de poesia ou apenas um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida.

Recent Posts

Grávida, Miss Brasil 2008 está desaparecida há 3 dias após chuvas no RS

As notícias do Rio Grande do Sul, a cada momento mais angustiam o país. Natalya…

1 dia ago

Gaming e Saúde Mental: Explorando a Conexão

Os jogos se tornaram uma parte integral do entretenimento moderno, cativando milhões de jogadores em…

2 dias ago

Já viu? Filmaço na Netflix que virou trend mundial já foi assistido por mais de 25 milhões de pessoas

Você está em busca de algo intrigante para assistir? Então talvez seja a hora de…

3 dias ago

Charmoso, encantador e poderoso: Este é o filme mais bonito que você vai ver na Netflix essa semana

Se você está procurando uma história que aqueça o coração com doses generosas de autenticidade…

3 dias ago

5 GRANDES MENTIRAS contadas em filmes e séries que chocaram o público

Os roteiristas adoram jogar com a expectativa do público, frequentemente nos surpreendendo com reviravoltas baseadas…

3 dias ago

Morre Maddy Baloy, TikToker de 26 anos que compartilhou sua luta contra o câncer terminal

No domingo, 28 de abril, Maddy Baloy, conhecida no TikTok por sua coragem ao documentar…

3 dias ago