O corpo e o amor em Foucault

Por Vinícius Siqueira

“Meu corpo é o oposto de uma utopia, nunca está sob outro céu, é o lugar absoluto, o pequeno fragmento de espaço no qual eu, literalmente falando, me apoio.”
Michel Foucault

O corpo é uma prisão ou uma condição de possibilidade para os mais belos atos? Foucault se coloca uma questão muito profunda: o que é o corpo para seu dono, ou seja, como você pode se relacionar com seu próprio corpo?

“Este crânio, esta parte traseira de minha cabeça que posso sentir com meus dedos, mas nunca ver; esta parte que sinto pressionada contra o colchão no divã quando estou deitado, mas a qual eu não descubro senão pela astúcia de um espelho; e o que são estes ombros, dos quais eu conheço com precisão os movimentos e posições, mas que eu nunca saberei ver sem que me tenha que contorcer horrivelmente? O corpo, fantasma que apenas aparece na miragem do espelho, e ainda assim, de uma forma fragmentada”, afirma Foucault.

Corpo cindido

Uma questão, o corpo é uma dúvida, é o espaço de todas as utopias, das maquinações e do imperfeito. O corpo é a possibilidade de navegar para os mares mais distantes e perigosos, mas com tranquilidade e segurança, no entanto, quando doente, se transforma em máquina velha, sem reparos. O corpo permite a movimentação, mas não permite seu próprio detalhamento para mim. Minha consciência não suporta meu corpo, não se desloca com ele.

“Por mais paradoxal que seja, antes de Troia, sob as paredes defendidas por Heitor e seus companheiros, não havia corpo, havia braços levantados, seios corajosos, pernas ágeis, capacetes reluzentes sobre suas cabeças: não havia corpo. A palavra grega para “corpo” não aparece em Homero a não ser para designar o cadáver”, diz Foucault.

O homem em atividade, deve-se entender, era feito de pedaços em ação, pedaços eficientes e potentes. Não havia unidade em seu exercício.

O espelho como ferramenta do corpo

“as crianças levam bastante tempo até saberem que têm um corpo. Durante meses, durante mais de um ano, eles não têm mais que um corpo disperso, membros, cavidades, orifícios, e tudo isso não se organiza, tudo isso não toma literalmente forma a não ser na imagem do espelho.”
Michel Foucault

A unidade do corpo precisa ser construída, identificada, fabricada. É somente nesse trabalho ativo de construção que o corpo toma espaço dentro da consciência. Esta unidade completa, que ocupa um lugar no espaço, nos é ensinada pelo espelho. Foucault diria, pelo espelho e pelo cadáver. São os dois objetos de conscientização do da unidade do corpo, do corpo como peso, portanto, como algo para além da atividade, da potência, da força, da vitalidade.

O corpo é mais que uma utopia graças ao espelho e ao cadáver, as duas formas aproximar o sujeito à realidade, à finitude.

O impossível do corpo

Talvez devêssemos dizer também que fazer amor é sentir seu corpo fechar-se sobre si mesmo, é finalmente existir fora de qualquer utopia.
Michel Foucault

Ambos, cadáver e espelho, estão num lugar inatingível, não podem ser alcançados. São como reflexos do que o corpo é, mas não ideais para o corpo atingir. O corpo está sob uma utopia soberana, em que a intangibilidade de sua unidade real acontece justamente a partir da ferramenta de conhecimento de sua finitude.

O terceiro elemento para acalmar a utopia do corpo é o amor. O amor silencia, acalma e encerra a voracidade do corpo utópico. O amor é a resposta final, para além do espelho e da morte, ele é nossa consagração do corpo real, do corpo aqui e agora, talvez nossa única resposta.

Referência

FOUCUALT, Michel. A Utopia do Corpo. Tradução: Victória Monteiro. Colunas Tortas, 2017. Disponível em: <https://goo.gl/iKgGza>. Acesso em 9 dez. 2017.






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