Amor de pai e superação de filho!!! Meus vitoriosos alunos

O surfista e o cowboy na capital goiana! O surfista é carioca e colecionador de tatuagens, o cowboy é goiano e sabe tudo do Zorro. Um é o pai e o outro é o filho, o autêntico flamenguista tem 38 anos de idade e o confeccionador de pulseiras 9 anos. Apresento-lhes a dupla Laercio Corujo e João Pedro, vulgo “JP”!

A princípio, tudo certo! A dupla é formada por pessoas inteligentes, saudáveis e felizes, preparadas para estudar algo que exige desejo, concentração e disciplina. Há nove meses atrás Laercio me procurou para iniciarmos o curso. Logo me veio a interrogativa, quais serão os desafios que enfrentaremos para atingirmos nosso objetivo? Eu não imaginava que encontraria um garoto hiperativo e com déficit de atenção, por outro lado, um menino cordial, inteligente, amado e muito bem protegido por sua família, com pai e mãe presentes e de convívio harmonioso, apesar da separação.

“Podemos fazer a aula juntos? Na verdade e´ para o meu filho, mas quero muito aproveitar o espaço para estar perto dele”

O panorama esboçado nas primeiras aulas não foi o mais atrativo. De um lado, um homem dedicado à aula e de outro, um menino “fanfarrão”. Laercio estava sempre atento às atividades propostas na Apostila (Volume I – Ritmos e Acordes), enquanto que “JP” fazia de tudo para atrapalhar. A cada chamada que eu fazia para entrarmos juntos nos exercícios o garoto esculachava com o violão, prestava atenção em outras coisas ou, propositalmente, perguntava algo que não tinha nada a ver com o momento.
Ele não suportava aquele ambiente de concentração em pequenas ideias musicais e inúmeras repetições, formar acordes no violão e tocar do jeito que eu pedia, não necessariamente à sua maneira. Tenho comigo que aquilo ali, na cabeça dele não tinha nada a ver com o violão que ele imaginava, de modas caipiras, ponteados, cantar…

Aí eu lhe pergunto, caro leitor: _ Como brincar de tocar violão sem dominar ritmos e acordes? ?? ???
Toda brincadeira tem suas regras, suas leis e seus desafios. Alguém tem que ser o “pêgo” e lutar com todas as forças para conquistar a brilhante oportunidade de também se esconder. Para fazer o gol tem que acertar a área interna das traves, e também tem que vencer o goleiro! Para cavalgar precisa se comunicar com o animal e se sujeitar a uma conduta segura, e por aí vai. Portanto, minha amiga, a música também tem o seu conjunto de exigências e é aí que está o “X” da questão! O grande desafio do professor é torná-las suportáveis, de modo que, num segundo momento, o prazer de tocar aquela canção que tanto gostamos esteja acima do desafio de fazer.

Além das particularidades apresentadas por JP, Laercio esbarrava em algumas dificuldades, naturais de um iniciante, como pouca dedicação durante a semana, proveniente da iminente construção da técnica básica, ausência de repertório musical inicial e o cara contava ainda, com uma forte lesão no braço esquerdo.
Confesso que precisávamos de muito mais tempo para atingir os objetivos de uma aula completa e saía delas quase esgotado. A minha sensação era de que tinha dado toda a energia de um intenso dia de trabalho em apenas um horário de aula. Foi um período muito difícil para todos nós, mas persistimos e vencemos!

“Escute aqui João Pedro, um dia você vai sofrer e a música poderá se tornar um verdadeiro elixir para aliviar a dor…”

Durante os primeiros meses, travei algumas duras conversas com o jovem estudante. Logo, o sábio pai me alertou das condições de saúde do filho e assim, pude oficializar o que imaginava. Conversar com Laercio a respeito da hiperatividade clareou minha mente e assim pude me preparar melhor para nossos encontros. Confesso que vez ou outra posso ter exagerado com o JP, e num dado momento pensei até em abandonar a “briga”.

Como não conseguíamos superar a primeira parte, indispensavelmente técnica da apostila, e o garoto cada vez mais disperso na aula, resolvi oferecer atividades totalmente voltadas para seu gosto musical. No lugar de prosseguir com o “Ritmo Básico” (pop) partimos para o “modão” e então experimentamos entrar “no” Menino da Porteira. A ideia motivou, sacudiu, mas… infelizmente esbarramos, ainda, na falta da disciplina mínima.

Mas, “peraí” professor! Por que o modão não deu certo? Meu amigo, esse ritmo é muito curto para a mão esquerda da dupla, que ainda não estava preparada para as mudanças de acordes. Justamente por isso que inicio com o ritmo que eu chamo de Básico (pop) na apostila, que por sua vez é mais longo e mais didático para o ponto de partida em violão popular. Assim, as mãos direita e esquerda chegam mais homogêneas na ocasião da primeira música!

Neste momento, eu tomei a dura iniciativa de convocar a dupla para retomarmos a apostila, assumirmos o tempo “perdido” no modão e nortear nossas aulas. Ali, ou eu perdia os alunos, ou ganhava ainda mais confiança. A segunda opção prevaleceu e finalmente podemos seguir em linha reta. Reconheci minha dificuldade em dar uma resposta mais efetiva em nosso trabalho e Laercio me surpreendeu com uma grande resposta.

“Fique tranquilo, estou dando oportunidade ao JP. Acredito que com nossos encontros, vamos construir uma cultura musical e com o tempo aprenderemos o que for necessário para tocar o violão. O meu filho não terá o direito de reclamar de falta de presença, e, no futuro, vai se lembrar desse momento com o pai.”

A essa altura, estávamos entrando no sexto mês de aulas e o nosso garoto amadureceu. Aquele comportamento que obstruía as atividades deu lugar a um olhar mais interessado, diretamente motivado pelos incentivos e diálogos do pai antes de nossos encontros. Laercio também se mostrava mais motivado ao violão e em todo começo de aula, me dizia que havia tocado mais durante a semana e também pesquisado músicas em sites de cifras. E realmente suas participações em aula melhoraram consideravelmente e rapidamente entramos na primeira música.

UFA!!!

Laercio viciou, e as aulas voltaram a ter uma duração mais intensa, agora, motivada pela música, pelo brinde ao trabalho de base realizado. Fizemos uma sequência de duas canções da apostila e partimos para duas canções extra apostila, na linguagem sertaneja, As andorinhas de Tonico e Tinoco e Não Precisa da Paula Fernandes. Bombou!!! JP entrou de corpo e alma nas Andorinhas e Laercio deve ter tocado a Paula Fernandes por umas 2.974 vezes por dia!! Coitado de mim que cantei essas beldades durante quase duas horas seguidas…. Laercio virou menino com o violão na mão. Não largava o brinquedo por nada…

Tia Laricia e Vovó Marcia sentavam na roda e apreciavam as músicas! Para mim, uma grande realização em família!
Vale lembrar que Laercio gosta de rock e abriu o coração para ver o desenvolvimento do filho na canção sertaneja, pois o garoto é fissurado nessa cultura e o pai se descobriu um amante de música boa, independente do rótulo musical. Esse comportamento é tudo para um bom rendimento em aula, pois o professor de iniciação ao violão sempre tem profundas limitações em repertório para os iniciantes, devido as dificuldades impostas pelo violão e pelas pestanas.

Com toda certeza, o maior aprendiz desta história se chama Graciano Farias Arantes, o “professor”. Conviver com quem se supera é uma oportunidade única. Laercio é exímio cuidador da saúde e aparenta ser mais jovem do que é. Sua família suplantou a perda precoce do pai e por meio de muita garra e determinação, hoje todos gozam de distinta dignidade profissional. Ambiente totalmente favorável para o nosso garoto esperto se iluminar em seu caminho de vida.






Prof. Graciano Arantes é bacharel em Música pela Federal de Uberlândia, sua cidade natal e radicou-se em Goiânia há 10 anos, onde desenvolveu seu método intitulado O Violão Em Roda! Contato: [email protected]